domingo, 8 de julho de 2012

Memória voluntária e memória involuntária

Demorei meses para terminar de ler No caminho de Swann, só fiz um postzinho. Tenho medo de escrever sobre esse livro, medo de dizer alguma besteira. 
Mas não posso trocar o pitaco da vez sem uma despedida digna. Especialmente porque a retomada desse livro me proporcionou momentos de escapismo sem precedentes e não vejo a hora de ler os 5 volumes faltantes para sentir o mesmo novamente. Só que vou dar um tempo (a idéia é ler A Divina Comédia, mas tive um problema com a primeira tradução que peguei e agora a vontade deu uma esfriada). 
As anotações de leitura são várias. Mas vamos ficar apenas com as palavras do próprio Proust sobre memória voluntária e memória involuntária e a criação do artista:


Para mim, a memória voluntária, que é sobretudo uma memória da inteligência e dos olhos, não nos dá, do passado, mais do que faces sem realidade; mas se um cheiro, um sabor encontrados em algumas circunstâncias totalmente diferentes, despertam em nós, à nossa revelia, o passado, passamos a sentir o quanto este passado era diferente daquilo que acreditávamos lembrar, e que nossa memória voluntária pintava, como os maus pintores, com cores sem realidade. Já, no primeiro volume, ver-se-á o personagem que conta, que diz: Eu (que não sou eu), encontrar subitamente anos, jardins, seres esquecidos, no gosto de um gole de chá onde ele encontrou um pedaço de madeleine ; sem dúvida ele se lembrava dela, mas sem seu calor, sem seu charme; eu pude fazê-lo dizer que como nesse pequeno jogo japonês onde se molham indistintos pedacinhos de papel que, logo mergulhados na bacia, se estiram, se contornam, se tornam flores, personagens, todas as flores de seu jardim, e as ninféias do Vivonne e a boa gente da aldeia, e suas pequenas moradias e a igreja, e toda Combray e seus arredores, tudo isso, que toma forma e solidez, saiu, cidades e jardins, de sua taça de chá.

Veja, não é senão às lembranças involuntárias que o artista deveria pedir a matéria prima de sua obra. Em primeiro lugar, precisamente porque elas são involuntárias , porque se formam delas mesmas, atraídas pela semelhança de um minuto idêntico, elas têm sozinha a marca de autenticidade. Depois elas nos devolvem as coisas numa dose exata de memória e de esquecimento e, enfim, uma vez que nos fazem experimentar a mesma sensação em uma circunstância completamente diferente, elas a liberam de toda a contingência, e nos dão dela a essência extra-temporal, aquela que é exatamente o conteúdo do belo estilo, esta verdade geral e necessária que somente a beleza do estilo traduz.

Gosto de tudo nessa entrevista. Mas nada supera o "Eu (que não sou eu)". Ahã

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