terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Um dia de chuva

Já vou dizendo que é possível que esse post seja considerado spoiler pelos mais sensíveis. Tá avisado.
Ganhei um mimo do Eça de Queiroz (sim, um mimo, se compararmos com as demais obras dele...), aparentemente saído do forno da CosacNaify:

Pois bem. Quando eu ganhei, me disseram que era uma história de amor do Eça, veja só que raridade, ele que quase não escreve histórias de amor. A bem da verdade, o excerto do comentário do Antonio Candido resume bem o conto:

Narrativa de atmosfera, cujo princípio estrutural é a surda competição entre a chuva que fecha o mundo e a imagem solar da moça que rompe as brumas.

Na minha ingenuidade, confesso que fiquei esperando o momento do encontro amoroso e, na minha incredulidade meio amarguinha, esperando que não correspondesse às expectativas do José Ernesto. Dupla frustração. Minha, não dele. Mas depois passou e eu me senti bem de ler uma história sem cinismo.

Além disso, tem uma Dona Manuela... Que eu imaginei como uma dessas portuguesas gordas, baixinhas e bigodudas, que se vestem todas de preto e ficam se abanando dizendo "Jesuscristinho, que caloire". Obviamente, ela não é a moça de imagem solar da história.

Por fim, o mimo é todo ilustrado:


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Homens e não

Como prometido, um post apenas para Homens e não, do Elio Vittorini. Vou ser sincera: comprei o livro mais pela parte que fala do "amor contrariado" do Ene2 e da Berta do que pelo "significado profundo de combater e morrer, o desumano que não está fora do homem, mas é do homem e a ele pertence".
E você vai lendo, claramente tomando partido dos resistentes, porque não tem quase nada mais bonito do que música/literatura/pintura sobre resistência a regimes que hoje sabemos ser totalitários, opressores e o diabo a quatro. E basta abrir meu volume I das obras completas do J. L. Borges para achar grifados os seguintes versos:

Hablan de humanidad.
Mi humanidad está en sentir que somos voces de una misma penuria.

Gosto tanto disso que já quis usar em uma petição. E, aí, você está lendo o livro, e tem aquela passagem que é tão cruel e tão violenta que até dá vontade de chorar, só de imaginar que aquilo possa ter apenas sido pensado por alguém, e sente uma raiva infinita dos alemães e acha que eles não são gente. Mas esse é o ponto em que erramos, ah, se é.

Presumimos que esteja no homem somente o que é sofrido, e que em nós é expiado. Ter fome. Isto dizemos que está no homem. Ter frio. E sair da fome, deixar pra trás o frio, respirar o ar da terra e tê-la, ter a terra, árvores, rios, trigo, cidades, vencer o lobo e olhar de frente o mundo. Isto dizemos que está no homem.
Ter Deus desesperado dentro, em nós um espectro, e um vestido pendurado atrás da porta. Também ter dentro Deus feliz. Ser homem e mulher. Ser mãe e filhos. Tudo isto sabemos, e podemos dizer que está em nós. Tudo que é chorar sabemos: dizemos que está em nós. E tudo que é a fúria, depois a cabeça baixa e chorar. Dizemos que o gigante está em nós.
Mas o homem pode também fazer como se nada existisse nele, nem sofrimento, nem expiação, nem fome, nem frio, e nós dizemos que não é homem.
Nós o vemos. É o mesmo que o lobo. Ele ataca e fere. E nós dizemos: isto não é o homem. Faz com frieza como faz o lobo. Mas isto exclui que seja homem?
Não pensamos senão nos ofendidos. Ó homens! Ó homem!
Mal acontece a ofensa, logo estamos com quem é ofendido, e dizemos que é homem. Sangue? Eis o homem. Lágrimas? Eis o homem.
E quem ofendeu o que é?
Nunca pensamos que também ele seja o homem. Que outra coisa pode ser? De verdade, o lobo?
Hoje dizemos: é o fascismo. Ou melhor: o nazifascismo. Mas o que significa ser o fascismo? Desejaria vê-lo fora do homem, o fascismo. O que seria? O que faria? Poderia fazer aquilo que faz se não estivesse no homem poder fazê-lo? Desejaria ver Hitler e seus alemães se aquilo que fazem não estivesse no homem poder fazê-lo. Desejaria vê-los procurando fazer. Tirar deles a possibilidade humana de fazê-lo e depois lhes dizer: Vamos, façam. O que fariam?
Uma ova, diz minha avó.
Pode ser que Hitler escrevesse aquilo mesmo que escreveu, e Rosenberg, ele também; ou que escrevessem cretinices dez vezes piores. Mas eu desejaria ver, se os homens não tivessem a possibilidade de fazer o que faz Clemm, pegar e despir um homem, dá-lo como comida aos cães, eu desejaria ver o que aconteceria no mundo com suas cretinices.

Eu gosto disso. Não do nazifascismo, claro. Mas de justapor as metades. Outro dia mesmo um amigo me dizia como lhe era difícil - e lhe fazia sofrer - combinar as idéias de que sua ex-namorada era uma boa pessoa, mas havia sido cruel com ele. O livro não explica e não dá nenhuma solução sobre como tudo isso pode ser o homem.
Aí, você volta na livraria e compra É isto um homem?, do Primo Levi, segue na linha nazifascimo na Itália e continua procurando respostas.


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Sobre italianos e promessas

Eu tinha perdido a Manon. Não sei, procurei por toda parte e, um dia, acordei e estava ali do meu lado. Vou retomar. Essa é a promessa.
Enquanto a Manon estava perdida, não me restou outra opção senão ler outro livro. E eu sabia que havia chegado o momento de finalmente ler O deserto dos tártaros, do Dino Buzzati. Para não passar a vida inteira esperando uma invasão que nunca chega.



Eu sei que cada um lê de um jeito e que os livros falam em línguas diferentes para diferentes leitores. Mas, se eu pudesse, eu mandaria imprimir trocentas mil cópias e distribuiria por aí, na esperança de que a leitura falasse à alma dos outros como falou à minha.
Como o livro não é meu, não pude fazer os grifos desejados: fotografei com o celufone uma passagem que gostei. É triste, mas o livro é triste inteiro. Por outro lado, o medo de ser engolido por toda aquela tristeza é que faz com que se queira se mexer, fazer qualquer coisa, qualquer coisa que não seja esperar.

Esse foi um italiano. O outro foi Elio Vittorini. Li Homens e não e até chorei.


Ok, vindo de mim não é sinal de muita coisa. Digo duas coisas: tem um diálogo amoroso que eu gostaria de ter tido (quem sabe ainda terei) e tem uma crueldade sem nome. E tem um vestido atrás da porta. Esse livro merece um post só pra ele, mas preciso pensar, não faz nem 3 horas que terminei de ler.
Esses foram os italianos.