Como prometido, um post apenas para Homens e não, do Elio Vittorini. Vou ser sincera: comprei o livro mais pela parte que fala do "amor contrariado" do Ene2 e da Berta do que pelo "significado profundo de combater e morrer, o desumano que não está fora do homem, mas é do homem e a ele pertence".
E você vai lendo, claramente tomando partido dos resistentes, porque não tem quase nada mais bonito do que música/literatura/pintura sobre resistência a regimes que hoje sabemos ser totalitários, opressores e o diabo a quatro. E basta abrir meu volume I das obras completas do J. L. Borges para achar grifados os seguintes versos:
Hablan de humanidad.
Mi humanidad está en sentir que somos voces de una misma penuria.
Mi humanidad está en sentir que somos voces de una misma penuria.
Gosto tanto disso que já quis usar em uma petição. E, aí, você está lendo o livro, e tem aquela passagem que é tão cruel e tão violenta que até dá vontade de chorar, só de imaginar que aquilo possa ter apenas sido pensado por alguém, e sente uma raiva infinita dos alemães e acha que eles não são gente. Mas esse é o ponto em que erramos, ah, se é.
Presumimos que esteja no homem somente o que é sofrido, e que em nós é expiado. Ter fome. Isto dizemos que está no homem. Ter frio. E sair da fome, deixar pra trás o frio, respirar o ar da terra e tê-la, ter a terra, árvores, rios, trigo, cidades, vencer o lobo e olhar de frente o mundo. Isto dizemos que está no homem.
Ter Deus desesperado dentro, em nós um espectro, e um vestido pendurado atrás da porta. Também ter dentro Deus feliz. Ser homem e mulher. Ser mãe e filhos. Tudo isto sabemos, e podemos dizer que está em nós. Tudo que é chorar sabemos: dizemos que está em nós. E tudo que é a fúria, depois a cabeça baixa e chorar. Dizemos que o gigante está em nós.
Mas o homem pode também fazer como se nada existisse nele, nem sofrimento, nem expiação, nem fome, nem frio, e nós dizemos que não é homem.
Nós o vemos. É o mesmo que o lobo. Ele ataca e fere. E nós dizemos: isto não é o homem. Faz com frieza como faz o lobo. Mas isto exclui que seja homem?
Não pensamos senão nos ofendidos. Ó homens! Ó homem!
Mal acontece a ofensa, logo estamos com quem é ofendido, e dizemos que é homem. Sangue? Eis o homem. Lágrimas? Eis o homem.
E quem ofendeu o que é?
Nunca pensamos que também ele seja o homem. Que outra coisa pode ser? De verdade, o lobo?
Hoje dizemos: é o fascismo. Ou melhor: o nazifascismo. Mas o que significa ser o fascismo? Desejaria vê-lo fora do homem, o fascismo. O que seria? O que faria? Poderia fazer aquilo que faz se não estivesse no homem poder fazê-lo? Desejaria ver Hitler e seus alemães se aquilo que fazem não estivesse no homem poder fazê-lo. Desejaria vê-los procurando fazer. Tirar deles a possibilidade humana de fazê-lo e depois lhes dizer: Vamos, façam. O que fariam?
Uma ova, diz minha avó.
Pode ser que Hitler escrevesse aquilo mesmo que escreveu, e Rosenberg, ele também; ou que escrevessem cretinices dez vezes piores. Mas eu desejaria ver, se os homens não tivessem a possibilidade de fazer o que faz Clemm, pegar e despir um homem, dá-lo como comida aos cães, eu desejaria ver o que aconteceria no mundo com suas cretinices.
Eu gosto disso. Não do nazifascismo, claro. Mas de justapor as metades. Outro dia mesmo um amigo me dizia como lhe era difícil - e lhe fazia sofrer - combinar as idéias de que sua ex-namorada era uma boa pessoa, mas havia sido cruel com ele. O livro não explica e não dá nenhuma solução sobre como tudo isso pode ser o homem.
Aí, você volta na livraria e compra É isto um homem?, do Primo Levi, segue na linha nazifascimo na Itália e continua procurando respostas.
Um comentário:
Essa passagem é duríssima! Mas muito verdadeira... Todas as hipóteses estão dentro de cada homem...
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